Adoção e abandono de animais domésticos aumentam durante a pandemia

  • BRASIL -
  • 25/10/2020
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Ter, em casa, a companhia de um animal doméstico pode representar, para muitos, uma forma de espantar a solidão que afeta boa parte da população em meio à pandemia e ao isolamento social dela decorrente. Essa tendência tem sido percebida nos últimos meses, segundo especialistas consultados pela Agência Brasil.


A adoção de um pet, no entanto, requer alguns cuidados. Principalmente para evitar uma outra tendência também percebida desde a chegada da covid-19: o aumento do número de animais abandonados – algo que poderia ser evitado caso a pessoa tivesse consciência das responsabilidades que existem por trás da adoção de um animal doméstico.


A influência da pandemia na relação das pessoas com seus pets foi percebida pelo Centro de Zoonoses do Distrito Federal, segundo o gerente de Vigilância Ambiental de Zonooses, Rodrigo Menna Barreto. De acordo com o médico veterinário, entre janeiro e setembro de 2020 o número de adoções de animais registrados pela Gerência de Vigilância Ambiental e Zoonoses (Gvaz) foi maior do que o dobro do registrado em todo o ano anterior, quando a pandemia não havia ainda chegado ao país.


“Observamos que aumentou o número de pessoas que adotaram cães e gatos,  341 no período de janeiro a setembro de 2020 em relação a 168 animais doados em todo o ano de 2019”, disse referindo-se ao trabalho de doação que é feito em parceria com ONGs, Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e voluntárias da zoonoses do DF.




Feira de adoção de animais



Menna Barreto acrescenta que, em 2019, 669 cães e gatos passaram por observação no canil da Gvaz. “Só no período de janeiro a setembro de 2020, já observamos 660 animais, número que aumentará pois ainda faltam três meses para o fim do ano”, disse ao ressaltar que a Gvaz não recolhe animais com proprietários, a não ser que haja alguma suspeita de que ele seja portador de alguma doença como raiva ou leishmaniose, de forma a oferecer risco à saúde pública. A Gvaz pode atuar também em casos onde, comprovadamente, os animais tenham agredido alguém.


O gerente do Centro de Zoonoses explica que muitas das aquisições, recolhimento e adoções de cães e gatos ocorrem por impulso, comoção ou até mesmo modismo. “Alguns dos que adotaram para companhia no período de isolamento acabaram chegando à conclusão que não querem pets, após perceberem que esses animais precisam de atenção, carinho e cuidados veterinários, o que gera um custo às vezes inviável para quem tem orçamento apertado. Diante dessa situação, muitos acabam optando por abandonar o animal”, disse.


Lado bom e lado ruim


Médica veterinária especializada em felinos e cirurgia, Natássia Miranda identificou mudanças “tanto para o lado bom como ruim” na relação das pessoas com seus pets após a pandemia ter chegado ao país. “Animais que viviam muito sozinhos, principalmente os cães, se mostraram muito mais felizes com a presença dos donos em situação de teletrabalho. Afinal, cães vivem em matilhas e se sentem melhores com companhia”, explica.


“Porém, alguns gatos se mostraram nitidamente incomodados devido à mudança na sua rotina. E, se tem uma coisa que o gato não gosta, é de mudança na rotina. Isso acaba influenciando na alimentação, ingestão hídrica e até mesmo na eliminação de urina e fezes, trazendo problemas importantes de saúde”, acrescentou.




Brasília - A Secretaria de Saúde do Distrito Federal realiza, neste sábado (22), campanha de vacinação antirrábica para cães e gatos, na área urbana (Marcelo Camargo/Agência Brasil)



 



Na avaliação de Natássia, o aumento no número de animais abandonados é explicado, em parte, pelos problemas econômicos pelos quais o país vem passando, acentuados com a chegada da covid-19. “Com a pandemia, aumentou o problema de desemprego e muitas pessoas tiveram dificuldade financeira para manter seus animais e, infelizmente, optaram pelo abandono. Tivemos vários casos de animais largados no meio da rua ainda com coleira no pescoço; gatas recém paridas com os filhotes abandonados em parada de ônibus; cão amarrado em poste com casinha e potes de água e comida ao lado”.


Cães de rua


Atuando há 3 anos com resgate, acolhimento, tratamento, castração e encaminhamento de cães de rua a famílias em condições de adotar um animal doméstico, a ONG Toca Segura acompanha de perto esses animais em suas novas vidas, com novas famílias, de forma a evitar que corram riscos de serem maltratados ou abandonados.


De acordo com a relações públicas da ONG, a advogada Danielle Mansur, muitas pessoas têm usado a pandemia como desculpa para abandonar seus pets quando, na verdade, a motivação para essa “atitude criminosa” é apenas a constatação posterior de que ter um animal doméstico é algo que dá trabalho e requer muita atenção.


“O que temos visto é que a solidão ficou mais aflorada. E nesse cenário de pandemia, a companhia de um pet ameniza a dor e a solidão do isolamento social. Vimos que quem já tinha um pet buscou o segundo. Ou seja, quem já tinha uma boa relação com os animais passou a valorizar ainda mais esse tipo de companhia, evidenciando ainda mais o amor que sente por animais”, disse.


“Mas houve também aumento no número de abandonos, uma vez que é grande o número de filhotes encontrados sem mãe. Particularmente, acho que a pessoa que abandona já tinha essa intenção, e usou a pandemia ou o desemprego dela decorrente apenas como desculpa”, acrescentou.


Adoção 


Para garantir que o trabalho da Toca Segura seja, de fato, positivo, e resulte em uma “adoção bacana para os animais”, a ONG só conclui o processo de adoção após entrevistas e visitas – inclusive surpresas – aos candidatos a papais e mamães de pets.


“Nosso projeto de vida é fazer com que as pessoas entendam as consequências de suas ações com relação aos pets, para que tenham responsabilidade com os animais e para que reflitam sobre a presença deles em suas vidas”, explica Danielle Mansur.


“Queremos que [os pretendentes à adoção de um animal doméstico] entendam que cachorro não é remédio para depressão nem para pé na bunda ou coração partido. Cachorro também não é remédio para criança malcriada. Quando você traz um cão para a sua vida, não é para curar as suas próprias feridas, mas para oferecer a ele mais do que ele oferece a você. Se você está com problemas psicológicos, busque ajuda profissional. Não um animal de estimação”, argumenta a relações públicas da ONG.


Recomendações


Entre as recomendações de Menna Barreto àqueles que pretendem adotar um animal de estimação está a de, antes, amadurecer bem a ideia e levar em consideração o fato de que terá uma companhia pelos próximos 10 anos. “É um planejamento a longo prazo e uma responsabilidade muito grande com um animal que, assim como as pessoas, necessita de cuidados especiais nos primeiros meses de vida; de visitas regulares ao médico veterinário; de vacinas e vermífugos, entre outras coisas”.




Brasília - A Secretaria de Saúde do Distrito Federal realiza, neste sábado (22), campanha de vacinação antirrábica para cães e gatos, na área urbana (Marcelo Camargo/Agência Brasil)



A médica veterinária Natássia Miranda ressalta que “criar um animal não se baseia apenas em ter amor”, referindo-se aos riscos que enxergar o animal apenas como uma fonte de afeto podem implicar. “Há que se levar em consideração o fato de que essa decisão abrange questões que vão muito além de tudo isso”.


“Eles precisam de cuidados tanto quanto precisam de amor. Uma alimentação adequada é muito importante, uma vez que restos de comida podem prejudicar os animais com o tempo, pela falta de nutrientes necessários e desbalanceamento nutricional. Além disso, filhotes tendem a estragar coisas em casa; a fazer xixi e cocô em local inapropriado. É preciso ter paciência e ensinar a forma correta as coisas a eles. E, para isso, não há a menor necessidade de bater ou praticar maus tratos”, disse.


Solidão


Ator e professor de literatura, André Aires, 36, procurou, na adoção de um novo cachorro, ajuda para lidar com o vazio causado pela morte de Ralph, um cão da raça cocker que morreu em julho deste ano, aos 15 anos.


“O motivo da adoção não era, a princípio, a solidão que eu sentia [por conta da perda de um animal querido]. Mas a coisa toda acabou se configurando nesse sentido porque havíamos perdido um cão muito amado, que deixou um buraco enorme na nossa casa e na nossa rotina. Acabou sim deixando uma solidão enorme que, em tempos de pandemia, ficou ainda mais forte”, disse.




Cãozinho Romeu



Cãozinho Romeu 



No caso de Aires e de Romeu – nome dado ao vira-lata recém-adquirido – as duas partes têm sido beneficiadas, e o amor recíproco está cada vez mais evidente. “Romeu deu outra luz para a casa. Trouxe humor e energia, em meio às bagunças e aos tênis, meias e plantas mastigadas”, disse o ator que tinha até mudado os móveis de lugar em sua casa, na tentativa de diminuir a tristeza decorrente do luto pela morte do cãozinho Ralph.


A adoção de Romeu contou com a ajuda da equipe do Toca Segura. Mas, para conseguir o “novo amigo”, Aires teve de responder um questionário e de enviar um vídeo de sua casa, para que a ONG o autorizasse a adotar Romeu. “Tive inclusive, a pedido deles, de adaptar a sacada da minha varanda, de forma a evitar riscos de queda para o animal”.


Dois meses após a morte do Ralph, chegou Romeu, “um vira-lata de quatro meses que havia sido resgatado depois de ser atropelado e abandonado para sangrar até a morte”, lembra Aires. Devido ao acidente, Romeu perdeu parte de uma pata.


“Mas nós o salvamos e temos o privilégio de acompanhar seu desenvolvimento após a adoção. Ele é agora um cachorro feliz e alegre. Basta vê-lo nas fotos. Nossa rotina agora é a de cuidar dele e de esperar a pandemia passar”, disse o ator e professor que, após acompanhar o trabalho desenvolvido pela ONG, se diz uma pessoa mais sensibilizada sobre a situação dos cachorros de rua.



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